quarta-feira, 11 de maio de 2011

A capacidade de Superação da Mente Humana




Sebastião Verly – 20-04-11
A mente humana é a fonte da mais surpreendente competência das pessoas: a superação de tudo que a vida nos impõe. Há sempre uma saída que conduz à libertação de todo o sofrimento humano. O poder da mente, em gente de todos os níveis, gêneros e condições, é algo muito acima de todos estímulos externos e até mesmo bem superior a todas as deidades vigentes.
Estou ainda voltas para escrever sobre uma conhecida que não vejo há, talvez, meio século justamente para falar desse fantástico potencial das pessoas. Estou convencido de que quando uma pessoa – mais simples ou mais sofisticada – estabelece, para si, um firme propósito de superar todos os desafios e passa a agir uma obstinada determinação, um dia, mais cedo ou mais tarde, alcança – naturalmente - o seu destino.
Antes de começar a falar dessa mulher que me traz tantas reflexões, desejo dizer que, para mim, o maior presente que uma pessoa pode ter é o filho ou filha que nasce de uma relação amorosa. Não há na igual. E tal como não conheci nem um escritor capaz de descrever o orgasmo, especialmente o prazer do ato de gerar um filho, até hoje, também  não conheci nenhum escritor capaz de relatar a felicidade de ser pai ou mãe.
Eu fui uma pessoa muito feliz. Amei demais e fui (muito) amado. Beijei milhares de mulheres, dormi com centenas, ganhei e gastei dinheiro em várias moedas. Escrevi milhares de textos que foram lidos e divulgados pelo mundo afora. Solidarizei-me com os mais fracos, lutei por uma revolução profunda voltada para estabelecer a paz verdadeira, sólida e duradoura. Mas, quando nasceu meu filho e, hoje, quando o vejo uma pessoa de bem, sinto que abriria mão de tudo que a vida me ofereceu para ficar com este inenarrável prazer. O maior de todos os prazeres, até para fazer um trocadilho com o sobrenome deste filho fantástico.
Filho foi a ponta da meada para este texto que esmero em escrever. Foi quando um jovem inteligente e bastante atuante na moderna cidade no interior, foi quando ele me explicou de quem era filho, ou melhor quem era sua mãe, que eu senti o quanto a pessoa pode superar todos os encargos e pesos que a vida impuser-lhe.
Não tive “papas na língua” e falei sem parar ao ter certeza de que a senhora mãe daquele brilhante e simpático rapaz era a pessoa de quem eu me lembrava tanto.
Em toda a década de 1950 e parte da década de 1960, Todos os dias, ali na segunda casa da praça central, na cidadezinha do interior, raramente saía além da porta da sala, aquela menina que vi crescer e virar mocinha sempre cativa dos mesmos caprichos da senhora a quem servia.
A mocinha que minha mente penalizada – infantil e adolescente - via sempre com um mesmo vestido, de uma cor indefinida mescla e mistura entre as cores bege e rosa de tecido mais para grosso e grosseiro.  Nos dias em que por ali eu passava e tinha a oportunidade de vê-la, eu caminhava longos minutos imaginando o seu sofrimento que me contaram ser rotineiro em sua vida.
A velha que explorava aquela garota, segundo as más línguas da cidade, era uma das mulheres mais perversas do lugarejo. Era uma viúva com algumas posses deixadas pelo marido, que, diziam, morreu de tanto desgosto que a velha esposa lhe causara.
Na casa da velha senhora, viviam dois rapazes e duas moças, filhos da maldita viúva, a qual possuía também outros herdeiros diretos, um que morava numa fazendinha bem próximo da cidade, outro creio que em São João do Meriti e não sei se existia mais um, que também morava em outra cidade e, raramente, ali apareciam. Não me perguntem por que.
Minha família era extremamente pobre, morávamos na penúltima casa da periferia, lá pelos Cristos, por sinal, bem ao lado da fazenda de propriedade daquela viúva, que ficava dentro da cidade.
Meu irmão mais velho do que eu, uns dois anos, já havia prestado à temível mulher, algum serviço, até vendendo pelas ruas, uma carne de origem duvidosa.
Quanto a mim, a única  vez que tive a oportunidade de encontrar-me próximo da velha que me causava um estranho sentimento misto de medo, terror e asco (infantil), foi, logo após a morte do meu pai, aquela repugnante mulher parou em frente à minha casa para dar alguns conselhos à minha mãe:
- Se você não bater muito nos seus sete filhos homens, eles, criados sem pai, na certa, vão ser ladrões ou assassinos.
Esta frase permaneceu – por décadas - na mente de minha mãe que, orgulhosamente sempre citava que não batia nos filhos e todos foram exemplos de ética, trabalho e dignidade.
Meu objetivo neste texto crônica – cronologicamente antigo e recente - é esforçar-me para descrever o enorme prazer que tive ao ver e conhecer o jovem filho daquela menina que virou senhora, aquela bela mocinha que, eu nem percebia, era três anos mais velha do que eu.
Fiquei imaginando a velha senhora que a criou e, nessas situações, eu torço para existir a permanência do espírito após a morte, porque, aí, eu imagino aquela mulher que eu sempre vi como má, sendo confrontada com a moça agora como mãe, essa sublime missão, aquela menina e moça que ela tanto fez sofrer, agora bem feliz com este filho admirável. Pelo menos, esta é a imagem que guardei do rapaz, tal como guardei, por toda a vida, a existência imaginária da senhora sua mãe, que eu tenho para mim como real.  
Só naquele encontro em que conheci o referido cidadão,  fiquei sabendo que aquela garota mal vestida era neta da tal mulher asquerosa. O pai, um dos filhos mais velhos da viúva, falecera prematuramente e a avó tomou por obrigação criar a netinha que já era órfã de mãe.
Moravam, a velha, os dois filhos e as duas filhas esta netinha que não parecia ser,  ali no centro da cidade, na praça onde ficava o Fórum, O Grupo Escolar (só havia um na cidade) e a Igreja bem no centro da praça.
Pergunto, agora, ao meu irmão, se ele, alguma vez, viu aquela menina indo para a Igreja ou freqÃ?entando normalmente as aulas. Ele diz que não se lembra. Logicamente, a moça aprendeu a ler e escrever até por que as duas filhas da velha senhora eram professoras na escola local.
Este fato que minha mente recria neste instante, quando conto os maus tratos a uma órfã criada por outrem, parece corriqueiro nas sociedades mais atrasadas e até nas histórias tradicionais (quem de nós, nunca ouviu uma história em que as crianças eram subjugadas por bruxas e madrasta, separadas ou numa única pessoa?!), mas, este marcou profundamente o meu sentimento.
Eu, sempre que passava na frente das portas daquela vetusta casa, imaginava a moça, lá dentro do casarão, sofrendo nas mãos daquela velha má, cara enrugada, quase bruxa. Ainda, segundo as más línguas, ela apanhava “para valer”. Não sou testemunha ocular, mas minha mente sempre criou a imagem da velha fazendeira com um chicote nas mãos castigando aquela jovem, desde menina até moça, com ou sem motivos reais.
Desafio às pessoas da minha geração, um pouquinho mais novas também e que tenham acompanhado essas vidas, a me indicar uma única vez - em festa ou nos eventos religiosos ou populares - em que aquela moça esteve presente a sorrir e divertir como as demais jovens de sua idade sorriam naquelas ocasiões.
Eu, que vivo ateu há mais de cinquenta anos, outorgo-me o direito de acreditar que Deus redimiu-se de que tantas maldades que permitiu fossem perpetradas (se existiram em minha mente e me fizeram sofrer, até este ano, eu as considero reais)  contra uma jovem indefesa. Acabo de saber, pelo filho que uma vez ela fugiu daquele “cárcere privado e despistado” sendo “à força” trazida de volta como faziam os velhos senhores de escravos e escravas.
Pela reparação mental que agora faço, posso morrer tranquilo. Senti-me vingado ao saber que este promissor cidadão da Política com P maiúsculo, é o prêmio maior que a minha amiga, nem sei se ela se lembrará de mim, recebeu por tantos anos, ali naquele casarão, reprimida a duras penas.
E nem mais quis saber como se deu sua libertação, nem como se chegou ao casamento e a esta glória sublime de “ganhar” este menino e que outros filhos mais ela teve o prazer de ter. Senti minha alma lavada, cristalina, diáfana e triunfante. Uma alegria similar a que eu teria se tivesse ganhado o primeiro prêmio da mega sena. Quer alívio! Esta superação depois de tantos anos de sofrimento, prova que, nós seres humanos, somos realmente feitos à imagem e semelhança de Deus.  
Meu bom amigo, se possível, conte à sua mãe, como um bom filho, como essa feliz noticia que me tirou um peso da consciência.
Muito obrigado, meu jovem e recente amigo, por haver me contado a saga de sua mãe, o que limpou de minha mente e de meu coração, uma tristeza e sentimento que guardei por tantas décadas e ainda, de tão longe e distante, soava como uma espécie de culpa da comunidade em que eu vivia e que carreguei como se fosse minha culpa também.
Estou bem mais feliz a partir de então!



Pela Justiça, ainda que contra a Lei

Sebastião Verly 10-04-11
A frase título pronunciada pelo Professor Betâmio em sala de aula do Colégio Municipal, no ano de 1960, influenciou profundamente a minha ideologia com reflexos significativos em minha vida e nas relações com as pessoas.
Para mim, Justiça não exige nem admite adjetivos ou questionamentos. Justiça é Justiça e pronto. Virtude com igual característica, apenas a Ética. Ambas dispensam explicações. Todo mundo sabe, mesmo que ninguém consiga explicar.
Caberia tertúlias filosóficas a discutir filigranas jurídicas para entrar em detalhes das possíveis aplicações  e condições específicas, próprias para elucidar o que, já, em si, traz um “imperativo categórico” como também o traz sua irmã siamesa, a Ética. 
Há alguns dias, conversava com nosso colega, o geógrafo Henrique Mafra que, cursa com brilhantismo e, me permita dizer, até com um pouco de paixão saudável, o curso de Direito da Universidade Federal, quando ele questionou a frase e foi mais longe ao questionar a minha afirmativa de que a Justiça dispensa complementos. Eu digo que Justiça é sempre boa e valiosa. Ele questionava: “o que é justo? O que é Justiça para um pode não ser para outro.”
Agora, leio a Professora Sânia, ao comentar o provocante artigo do Milton Tavares Campos, no portal www.metro.org.br  em que ela pergunta: “Quem é que define quem são os justos e quem são os injustos?”
Recorri a Platão e a Aristóteles. Divaguei pelas obras de outros autores e senti o quão complexo é explicar aquilo que se transformou, pelo cultivo de tantos anos no interior minha alma, em um tautológico “imperativo categórico”.
                Mesmo assim, prosseguirei nos meus estudos e reflexões (quem sabe eu consiga estudar direito), desejoso de encontrar uma demonstração convincente de que este meu ideal seja verdadeiro.
         Nas palavras de Aristóteles:
 “A justiça é a forma perfeita de excelência moral porque ela é a prática efetiva da excelência moral perfeita. Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente a si mesmas como também em relação ao próximo. “ 
          E assim:
          “A ação justa se é reconhecida pelo seu contrário, ou seja, pela ação injusta, pois, “muitas das vezes se reconhece uma disposição da alma graças a outra contrária, e muitas vezes as disposições são idênticas por via das pessoas nas quais elas se manifestam”.
          Vamos pensar mais e aprofundar nesta questão, sempre à procura de um caminho ideal para defender o que há de mais desejado neste mundo que é a felicidade, nossa e dos nossos semelhantes. Pois, só poderemos usufruir – com tranqÃ?ilidade e segurança - da verdadeira felicidade, quando todos os seres viventes também gozarem deste benefício tão distante, mas, mesmo assim, possível e viável.          
          Isto é justo, ético e desejável. E é o que os justos preconizam.

Juiz, a Lei e o Justo
Nilton Tavares da Silva  Juiz de Direito no RS 
“Tem-se, em tal particular, entendimentos históricos que se consolidaram a partir de construções pretorianas (decisões de juízes e tribunais) por realizarem justiça, ainda que ao arrepio de textos legais. Assim, por exemplo, o reconhecimento dos direitos da concubina antes da Constituição de 88, a despeito de expressa vedação no nosso vetusto Código Civil; da guarda de filho que eventualmente se confere à m ãe reputada culpada em processo de separação judicial litigiosa (a lei do divórcio dita o contrário) por representar o melhor para a criança, e assim por diante.
Nesse contexto, por ser a realidade mais rica do que a ficção, vale ser citada, e transcrita, decisão lapidar proferida há mais de três décadas na Capital do Estado pelo então Juiz de Direito, hoje Desembargador aposentado MOACIR DANILO RODRIGUES, a qual, à época, teve repercussão não só na imprensa nacional mas também no exterior, justamente por demonstrar que, em determinadas circunstâncias, não pode o operador do direito ater-se ao texto frio da norma se na prática resultar solução injusta. Veja-se, enfim, o que e como decidiu aquele Magistrado ao lhe ser requerida expedição de "portaria judicial" (instituto esdrúxulo, felizmente banido do CPP pela CF de 88 ao conferir competência exclusiva ao MP na iniciativa da ação penal), para que fosse criminalmente processado um cidadão humilde pela contravenção de vadiagem.
Ei-la:
"Marco Antonio Dornelles de Araújo, com 29 anos, brasileiro, solteiro, operário, foi indiciado em inquérito policial pela contravenção de vadiagens prevista no artigo 59 da lei das Contravenções Penais. Requer o Ministério Público a expedição de Portaria contravencional.
O que é vadiagem? A resposta é dada pelo artigo supramencionado: "entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho..."
Trata-se de norma legal draconiana, injusta e parcial. Destina-se apenas ao pobre, ao miserável, ao farrapo humano, curtido vencido pela vida. O pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho do pobre que, pobre é, sujeito está à penalização. O filho do rico, que rico é, não precisa trabalhar, porque tem renda paterna para lhe assegurar meios de subsistência.
Depois se diz que a lei é igual para todos! Máxima sonora na boca de um orador, frase mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de Direito. Realidade dura e crua para quem enfrenta, diariamente, filas e mais filas na busca de um emprego. Constatação cruel para que, diplomado, incursiona pelos caminhos da Justiça e sente que os pratos da balança não têm o mesmo peso.
Marco Antonio mora na Ilha das Flores (mora?), no estuário do Guaíba. Carrega sacos. Trabalha "em nome" de um irmão. Seu mal foi estar em um bar da Voluntários da Pátria, às 22 horas. Mas se haveria de querer que estivesse numa uisqueria ou choperia do centro, ou num restaurante de Petrópolis, ou ainda numa boate de Ipanema?
Na escala de valores utilizada para valorar as pessoas, quem toma um trago de canha, num bolicho da Volunta, às 22 horas e não tem documento, nem um cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira recheada de "cheques especiais", é um burguês.
Este, se é pego por cometer uma infração de trânsito, constatada a embriaguez, paga fiança e se livra solto. Aquele, se não tem emprego é preso por vadiagem. Não tem fiança (e mesmo que houvesse, não teria dinheiro para pagá-la), e fica preso.
De outro lado, na luta para encontrar um lugar ao sol, ficará sempre de fora o mais fraco. É sabido que existe desemprego flagrante. O "zé-ninguém" (já está dito), não tem amigos influentes. Não há apresentação. Não há padrinho. Não tem referências, não tem nome, nem tradição. É sempre preterido. É o Nico Bondade, já imortalizado no humorismo (mais tragédia que humor) de Chico Anísio.
As mãos que fazem força que carregam sacos, que produzem argamassa, que se agarram na picareta, nos andaimes, que trazem calor, unhas arrancadas, não podem se dar bem com a caneta (veja-se a assinatura do indiciado à fl. 5v.), nem com a vida. E hoje, para qualquer emprego, exige-se no mínimo o primeiro grau. Aliás, grau acena para o graúdo. E deles é o reino da Terra. Marco Antonio, apesar da imponência do nome é miúdo. E sempre será. Sua esperança? Talvez o Reino do Céu.
A lei é injusta. Claro que é. Mas a Justiça não é cega? Sim, mas o Juiz não é. Por isso:
Determino o arquivamento deste inquérito.
Porto Alegre, 27 de setembro de 1979. (a) Moacir Danilo Rodrigues, Juiz de direito - 3ª. Vara Criminal."
Como se vê,
ainda que se deva ter na lei o grande norte, situações concretas existem, contudo, que a sua fiel observância pode significar, insisto, atropelo a comezinhos e elementares princípios da justiça, o que por certo desserve ao Direito. Há de prevalecer em situações excepcionais, assim, o secular brocardo latino: "a pro iure, quamvis contra legem" (pela justiça, ainda que contra a lei). Aliás, se esta não for a opção, se preponderar a rígida aplicação dos textos legais sem outros compromissos, desnecessária à evidência a intervenção dos operadores do direito, posto que um simples computador com certeza melhor desempenharia a tarefa.
De tal, por certo, não se há de cogitar.
Fonte: Nilton Tavares da Silva, Juiz de Direito